Com o uso cada vez mais difundido da inteligência artificial generativa, capaz de criar textos, imagens, vídeos, músicas e outras formas de conteúdo, empresas e agências têm sido obrigadas a rever sua governança interna e relações contratuais. Um dos focos principais é a propriedade intelectual, especialmente em contextos criativos e publicitários.
Segundo a advogada e publicitária Gisele Karassawa, sócia-fundadora do VLK Advogados, as marcas estão cada vez mais conscientes dos desafios que essa tecnologia impõe. “Há uma preocupação legítima com o risco reputacional em função de conteúdos criados por IA que possam conter erros ou violações legais e direitos de terceiros. Mas é importante diferenciar os tipos e usos de IA e entender que restringir de forma generalizada pode frear a inovação”, afirma.
Ela explica que, para equilibrar segurança jurídica e inovação, o ideal é que empresas desenvolvam políticas internas de governança para o uso dessas ferramentas, invistam em capacitação da equipe e mantenham supervisão humana ativa sobre o que é produzido com o apoio da tecnologia.
Além disso, Gisele ressalta que é necessário mapear previamente as demandas para análise de riscos. “Antes de iniciar qualquer projeto que envolva IA, é importante mapear os riscos e estruturar um plano de mitigação destes, especialmente sob as perspectivas de direitos de propriedade intelectual, segredos de negócios, direitos de personalidade, proteção de dados pessoais e autorregulamentação publicitária, para que a comunicação aconteça com segurança e engajamento”, complementa.
O desafio da autoria e titularidade no contexto da IA generativa
Um dos principais dilemas jurídicos envolvendo inteligência artificial generativa é o encaixe dos direitos autorais para as criações feitas com (ou por) IA. Gisele lembra que há duas perspectivas diferentes e que envolvem a discussão de Direitos Autorais:
- A primeira é com relação ao uso de obras protegidas para o treinamento de sistemas de IA. Hoje há grandes discussões, especialmente no Judiciário americano sobre o chamado fair training, ou seja, o treinamento de sistemas de IA baseado no racional do fair use. Em uma recente decisão da corte de Delaware na ação judicial que a Thomson Reuters moveu contra a Ross Intelligence o entendimento foi de que não se configurou o uso justo dos materiais da primeira para treinamento da IA da segunda, especialmente considerando a relação de concorrência direta entre elas.
- A segunda perspectiva é sobre o output, ou seja, o resultado gerado pela ferramenta de IA. Se a obra criada com IA for parecida ou similar a obra pré-existente protegida por direitos autorais, isso pode configurar uma violação. Adicionalmente, há uma grande discussão sobre a autoria e titularidade das obras geradas a partir de sistemas de IA.
“A Lei de Direitos Autorais brasileira ainda parte do pressuposto de que a autoria é exclusivamente humana. É preciso que haja uma relação de causalidade entre criação e criador”, explica a especialista.
Para ela, existem duas formas de encarar essa discussão. A primeira, mais clara do ponto de vista legal, é quando a IA é apenas uma ferramenta auxiliar no processo criativo — ou seja, o ser humano é quem conduz, direciona e toma decisões com base em seu conhecimento e criatividade. Nesses casos, o direito autoral sobre a obra permanece com o criador humano.
A segunda, no entanto, é mais complexa: trata-se de situações em que a IA atua de forma mais autônoma, gerando obras a partir de grandes bases de dados e algoritmos, com pouca ou nenhuma intervenção humana no resultado final. “Nesses casos, há uma quebra da relação de causalidade entre o criador humano e o conteúdo gerado.
Surge, então, a dúvida: quem é o autor? O programador? O usuário? Ou essa obra já nasceria em domínio público? Uma forma de se endereçar essa questão seria olhar apenas para a titularidade, ou seja, quem é o dono, quem pode explorar essa obra.”, pondera Gisele.