O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) recebeu nesta semana o seu novo supercomputador. Segundo a instituição, a máquina é seis vezes mais potente que sua antecessora e será utilizada para melhorar a previsão do tempo e prevenção a desastres climáticos.
O Olhar Digital entrevistou José Antonio Aravéquia, coordenador-geral da Coordenação Geral de Ciências da Terra do Inpe, e Ivan Márcio Barbosa, coordenador de Infraestrutura de Dados e Supercomputação, para compreender quais os impactos que o equipamento terá na pesquisa brasileira e na prevenção de catástrofes naturais.
Segundo os entrevistados, a máquina será capaz de emitir previsões quatro vezes mais detalhadas do que as realizadas hoje, possibilitando uma identificação mais precisa da localização e da intensidade dos eventos climáticos. Isso será útil para o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadens) e para a Defesa Civil, além de ajudar em setores como energia e agricultura.
“Nosso trabalho visa prover a sociedade com informações de valor para prevenir desastres, salvar vidas e reduzir perdas materiais. A população usa nossas informações para diversas atividades onde o planejamento é impactado pelas informações do tempo e do clima futuros“, disse Aravéquia.
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Máquina será mais rápida e menor
O equipamento chegou ao Brasil pelo aeroporto de São José dos Campos, interior de São Paulo. Ele foi adquirido da empresa norte-americana HPE Cray por cerca de R$27 milhões, de acordo com Barbosa. Até a conclusão da documentação alfandegária, que deve ocorrer nos próximos dias, o supercomputador vai ficar numa área restrita do aeroporto.
Após a liberação da alfândega, a máquina será levada para o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), numa unidade do Inpe em Cachoeira Paulista (SP), onde substituirá o antigo supercomputador Tupã.

“Em processamento, a capacidade é seis vezes maior”, explicou o coordenador de infraestrutura. O equipamento também será menor, ocupando cinco racks — gabinetes que armazenam os componentes do computador — ao invés dos 17 racks de seu antecessor.
Os entrevistados revelaram que a máquina deve entrar em funcionamento no final de julho.
Confira a entrevista na íntegra:
Olhar Digital: O que muda com a chegada desse supercomputador ao Inpe em relação ao atual computador Tupã?
Ivan Márcio: A aquisição desse novo sistema de supercomputação muda muitas coisas para o Inpe e para a ciência, em especial a meteorologia no Brasil. Esse sistema de supercomputação é vinte e quatro vezes maior que o Tupã, cujo primeiro módulo foi adquirido em 2010 e depois teve uma expansão em 2017.
Do ponto de vista de armazenamento de dados, são vinte e quatro petabytes. Em processamento, a capacidade é seis vezes maior. Por outro lado, há uma redução do tamanho da máquina: o espaço físico ocupado pelo Tupã era de 17 racks (gabinetes que armazenam os componentes do computador), e essa nova máquina, com toda essa capacidade, ocupa apenas cinco racks.
Olhar Digital: Como esse supercomputador pode ajudar a ciência brasileira na previsão do tempo e na prevenção de desastres naturais?
José Antonio: Esse novo supercomputador permite que a previsão seja realizada com maior resolução e detalhamento espacial, o que vai nos possibilitar tratar um maior volume de informações vindas de observações. Isso proporciona um diagnóstico mais preciso da condição atual, o que é primordial para fazermos uma previsão mais assertiva. Com isso, os órgãos de monitoramento, prevenção e mitigação de desastres naturais terão uma informação mais detalhada e rápida com os resultados desses modelos.
Olhar Digital: Seria possível alertar populações em áreas de risco de desastre climático antes dos eventos ocorrerem com essa tecnologia?
José Antonio: Sim, a expectativa é que esse modelo tenha uma detecção mais antecipada dos eventos, com modelagem de ponta. Ele permitirá previsões com uma resolução até quatro vezes mais detalhada do que temos hoje, possibilitando identificar de forma mais precisa tanto a localização quanto a intensidade de eventos convectivos — que são os que mais causam chuvas intensas. Essas informações são essenciais para órgãos de defesa civil atuarem de forma mais eficaz.
Olhar Digital: Uma vez identificado um fenômeno climático extremo, como o alerta chega às regiões?
José Antonio: O Inpe, via o Centro de Previsão Numérica de Tempo e Clima, provê previsões numéricas para todo o Brasil. Rodamos modelos globais e regionais. Os resultados são disponibilizados para órgãos de monitoramento de desastres, agricultura, energia elétrica, entre outros. Também temos política de dados abertos — nossas previsões e observações de satélite são públicas, podendo ser acessadas por diversas instituições e pela sociedade civil.
Olhar Digital: Do ponto de vista técnico, como explicar essa tecnologia?
Ivan Márcio: Um supercomputador pode ser uma máquina monolítica, com muita memória, processadores e armazenamento, ou um cluster de processamento de alto desempenho (HPC): um conjunto de servidores menores que trabalham como se fossem uma única máquina. O desempenho de ambos é medido em flops — operações matemáticas por segundo.
O usuário não acessa diretamente o supercomputador, há um gerenciador de recursos, onde ele submete o modelo que irá rodar. Todo o recurso computacional é compartilhado com diferentes indivíduos com requisitos e necessidades únicos.
Os sistemas de armazenamento são discos paralelos e de alta performance, para acompanhar o ritmo de processamento. O importante em um sistema de supercomputação é que o conjunto tenha uma performance muito boa. Não adianta ter muito processador, muitos núcleos, mas pouca memória. Ou, se há muita memória e muito processador, mas o disco onde será armazenada a saída do dado processado é lento, isso gera gargalos.
Então, há todo um monitoramento da saúde do sistema de supercomputação ou do cluster HPC. Nós aqui no INPE temos tanto máquinas massivas — que é o supercomputador monolítico — como clusters de processamento de alto desempenho.
Olhar Digital: Como um supercomputador faz as previsões?
José Antonio: A previsão de tempo é feita com base em equações que seguem leis da física, dinâmica e termodinâmica, e preveem a evolução das massas de ar. Imagine o globo terrestre como um grande organismo a ser diagnosticado.
Esse diagnóstico exige observações: satélites, radares meteorológicos, navios, boias, redes em superfície e altitude, além de dados de aeronaves. Essas tecnologias geram grandes massas de dados que precisam ser processadas por um computador com memória muito grande.
Um dos pontos de conexão desse supercomputador tem mais de 700 GB de RAM. Um computador doméstico tem, em média, 8 GB. Só nessa parte há cem vezes mais memória. Esse poder permite tratar essas informações para projetar o que vai acontecer no futuro — a chamada previsão do tempo, com parâmetros como chuva, temperatura, vento e umidade.
Olhar Digital: Qual o valor dessa nova tecnologia?
Ivan Márcio: Esse novo sistema de supercomputação foi adquirido de uma empresa norte-americana com tecnologia muito boa, a HPE Cray. A empresa venceu a licitação, tivemos outros concorrentes, e o custo estimado é de aproximadamente R$ 27 milhões. Ainda virão três novos sistemas de supercomputação, com próximos processos licitatórios.
Olhar Digital: O Brasil está adquirindo uma tecnologia de ponta em comparação ao cenário global?
Ivan Márcio: Sim, é uma tecnologia de referência mundial. É a primeira máquina do projeto de renovação de infraestrutura do Inpe. No segundo semestre, faremos nova licitação para outra máquina, que pode ser de outro fabricante. Sempre buscamos a melhor solução com o melhor custo-benefício para o Estado brasileiro.
Nosso objetivo é não depender de um único fabricante ou de uma única arquitetura. Embora mais complexo, isso dá ao INPE independência e conhecimento para manter e operar sistemas de diferentes arquiteturas. Isso é de extrema importância para o Brasil.
Olhar Digital: Quando o supercomputador passa a operar?
José Antonio: A implementação da máquina deve ir até a segunda metade de julho, após isso ela deve estar disponível para uso. Primeiro vem a instalação do sistema operacional, validação de conexões e armazenamento, e depois os modelos meteorológicos, instalados após a inauguração.
Olhar Digital: Como está o plano de renovação estrutural do INPE?
Ivan Márcio: Esse projeto de renovação de infraestrutura de supercomputação engloba também toda a parte elétrica e de refrigeração. Teremos, além de mais três sistemas de supercomputação, a construção de uma subestação de energia elétrica ininterrupta com dois transformadores de seis megawatts.
Hoje, manter nosso data center custa aproximadamente R$ 5 milhões por ano só em energia elétrica. Por isso, vamos construir também uma usina de geração de energia elétrica fotovoltaica para reduzir o custo operacional com eletricidade. Ela terá cinco inversores de um megawatt, com capacidade total de cinco megawatts.
Essa nova usina de geração de energia elétrica fotovoltaica está estimada para ficar pronta no final do próximo ano. Com isso, vamos economizar recursos e ela será uma fonte de energia elétrica renovável, o que é muito bom para a população, para o país e para o Inpe — e, com isso, conseguimos produzir ciência sempre pensando no meio ambiente.
Olhar Digital: Qual a importância do Inpe na pesquisa e na ciência brasileira?
José Antonio: Uma etapa essencial das previsões do tempo é a observação. O Inpe atua nisso, observando o planeta e reunindo dados de diversas redes. Esse diagnóstico inicial é chamado de assimilação de dados – uma etapa tão ou mais trabalhosa que a modelagem numérica.
O instituto desenvolve satélites de observação da Terra, e possivelmente um dos próximos será um meteorológico geoestacionário. Isso será ótimo para a soberania nacional em observação da atmosfera, monitoramento de gases de efeito estufa e eventos severos.
Olhar Digital: O Inpe tem parcerias internacionais para compartilhar dados?
José Antonio: O ambiente mundial de dados meteorológicos funciona majoritariamente com compartilhamento aberto. A Organização Meteorológica Mundial mantém uma rede chamada GTS (Sistema Global de Telecomunicações), por onde são compartilhados dados de satélites, redes de superfície, aeronaves, navios, boias, entre outros. Porém, mesmo compartilhando dados, é fundamental o Brasil ser independente nas observações, por isso investimos em aprimoramentos.