Durante quase um século, a narrativa predominante sustentou que o faraó Tutmósis III, sucessor da rainha Hatshepsut, (que também era tia dele) teria destruído as estátuas de sua antecessora durante seu governo no antigo Egito. No entanto, um novo estudo sugere que a história pode ser mais complexa do que se pensava.
A egiptóloga Jun Yi Wong, da Universidade de Toronto (Canadá), reexaminou fotografias e anotações de campo das escavações originais em Deir el-Bahri (Egito), realizadas nos anos 1920. Ao IFLScience, ela diz que muitas estátuas de Hatshepsut não foram destruídas durante o reinado de Tutmósis III e permanecem com os rostos intactos.
Isso contradiz a visão de que o faraó teria promovido uma campanha de apagamento da memória de sua tia. Em vez disso, parte da destruição pode ter ocorrido por razões ritualísticas ou práticas, como o reaproveitamento de pedras em construções posteriores.
Simbologia de um faraó
- Para os antigos egípcios, imagens de reis e deuses carregavam energia simbólica;
- Antes que uma estátua fosse destruída ou reutilizada, ela precisava ser “desativada” ritualisticamente, com quebras nos pontos estruturais mais frágeis;
- Ainda assim, é inegável que a imagem de Hatshepsut foi alvo de ataques após sua morte. Algumas estátuas foram enterradas sob passagens construídas no reinado de Tutmósis III, o que sugere algum nível de tentativa de apagamento;
- Hatshepsut governou o Egito entre 1479 e 1458 a.C., durante a XVIII dinastia, em período de paz e prosperidade. Hoje, é considerada uma das primeiras grandes mulheres da história registrada e uma governante exemplar em termos administrativos e diplomáticos.
Leia mais:

Governo de Hatshepsut
Apesar desse reconhecimento moderno, seus contemporâneos pareciam desconfortáveis com uma mulher no trono. Sua memória foi apagada de registros oficiais e suas imagens removidas de templos e monumentos. A autoria desses atos, por muito tempo, foi atribuída a Tutmósis III.
No entanto, segundo Wong, a destruição de parte do legado visual de Hatshepsut pode ter tido múltiplos responsáveis e motivações. “Essa imagem da ‘figura destroçada’ domina a percepção popular, mas não reflete toda a verdade”, afirma a pesquisadora.
Ela destaca que o contexto político da época era delicado e mesmo ações rituais poderiam carregar significados políticos. A destruição simbólica talvez tenha sido facilitada por ressentimentos ou pela necessidade de reafirmar o poder masculino no trono.
Wong conclui que, embora Hatshepsut de fato tenha sido alvo de perseguição póstuma, a figura de Tutmósis III merece uma análise mais equilibrada. Em vez de vingança, seus atos podem ter sido motivados por obrigações religiosas e tradições funerárias do antigo Egito.
