É verdade que os oceanos Pacífico e Atlântico não se misturam?

Quando imagens do encontro entre os oceanos Pacífico e Atlântico viralizam na internet, muitos ficam intrigados com o contraste visual das águas: de um lado, tons mais escuros e profundos; do outro, uma coloração mais clara, quase turva.

Esse fenômeno costuma ser acompanhado de uma afirmação impressionante: “os oceanos não se misturam”. Mas será que isso é verdade? Até que ponto essa separação entre as águas é real ou apenas um efeito passageiro da natureza?

A ideia de que os oceanos não se misturam alimenta um misto de fascínio e confusão. Afinal, estamos falando de duas das maiores massas de água do planeta se tocando, mas supostamente sem se integrar. A explicação para esse fenômeno, no entanto, envolve ciência, física dos fluidos e oceanografia e está longe de ser mágica.

Peixes nadando em desfiladeiro no fundo do oceano Pacífico (Imagem: Damsea/Shutterstock)

O que realmente acontece quando os oceanos se encontram?

Ao contrário do que sugerem algumas postagens nas redes sociais, os oceanos misturam, sim. O que causa a impressão de separação entre o Pacífico e o Atlântico (como é o caso no Golfo do Alasca) é um fenômeno conhecido como fronteira de densidade ou fronteira de salinidade.

Em outras palavras, estamos diante de águas com características físico-químicas diferentes, que se encontram, mas demoram um pouco mais para se integrar totalmente.

A água do oceano não é homogênea. Ela varia em salinidade (quantidade de sal dissolvido), temperatura, densidade e até mesmo em composição de sedimentos.

Quando duas massas de água com propriedades muito diferentes se encontram, elas não se misturam imediatamente. Isso não significa que existe uma “barreira mágica” impedindo a mistura, mas sim que o processo é mais lento e visualmente perceptível por algum tempo.

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A explicação científica: salinidade e densidade

O principal fator que explica por que os oceanos se encontram e demoram a se misturar é a diferença de salinidade. A água mais salgada é mais densa e tende a afundar. Já a água menos salgada é mais leve e fica na superfície. Quando massas de água com diferentes níveis de sal se encontram, formam-se camadas que resistem à mistura imediata.

Outro fator importante é a temperatura. Água mais quente tende a ser menos densa, e água fria, mais densa. Assim, se uma corrente de água fria do Atlântico Norte encontra uma corrente mais quente do Pacífico, por exemplo, esse contraste ajuda a manter uma separação temporária.

Essas características criam o que os cientistas chamam de gradientes de densidade, que dificultam a mistura instantânea, mas não a impedem completamente. Com o tempo, a movimentação natural da água, como ondas, correntes e ventos faz com que as massas de água se integrem.

Onde esse fenômeno é mais visível?

Um dos locais mais citados quando se fala que os oceanos não se misturam é o Golfo do Alasca, próximo ao encontro do Pacífico com o Atlântico através do Oceano Ártico. Lá, imagens mostram duas massas de água com colorações visivelmente distintas, lado a lado, sem se misturar imediatamente.

Outro exemplo é o encontro entre o Rio Amazonas e o Rio Negro, em Manaus, no Brasil. Embora não sejam oceanos, os princípios são os mesmos: as águas dos dois rios possuem temperaturas, densidades e composições químicas diferentes, o que faz com que fiquem lado a lado por quilômetros antes de se misturarem completamente.

Perto de Manaus, no Amazonas, ocorre o encontro entre o Rio Negro, de águas escuras (quase pretas), e o Rio Amazonas (também conhecido como Solimões), de cor arenosa
Perto de Manaus, no Amazonas, ocorre o encontro entre o Rio Negro, de águas escuras (quase pretas), e o Rio Amazonas (também conhecido como Solimões a partir deste trecho), de cor arenosa. Imagem: guentermanaus / Shutterstock

O papel das correntes oceânicas

As correntes oceânicas desempenham um papel crucial nesse processo. Elas transportam grandes volumes de água entre diferentes regiões do planeta, e sua interação ajuda a equilibrar a temperatura global e a distribuição de nutrientes.

Quando correntes como a Corrente do Golfo (no Atlântico) e a Corrente do Kuroshio (no Pacífico) se encontram em áreas de transição, as diferenças entre elas podem gerar efeitos visuais parecidos com os famosos “encontros de águas”.

Entretanto, é importante frisar: esses encontros não são estáticos. São regiões de transição dinâmica, onde a mistura acontece continuamente mesmo que em escalas de tempo maiores do que o olho humano pode perceber instantaneamente.

O que dizem os oceanógrafos?

Segundo oceanógrafos e pesquisadores de dinâmica oceânica, a afirmação de que os oceanos não se misturam é cientificamente incorreta. Os oceanos misturam, sim, mas em diferentes escalas de tempo e sob influências variadas como vento, gravidade, rotação da Terra (efeito Coriolis), marés e até atividade tectônica.

A ilusão de separação é um fenômeno temporário causado pela estratificação das águas. Com o tempo, mesmo massas de água muito distintas acabam se integrando por meio de difusão molecular e processos turbulentos.

Imagem: hirokoro/Shutterstock

A internet e a desinformação

A viralização de vídeos e fotos com o título “os oceanos não se misturam” é um exemplo claro de como a desinformação pode se espalhar rapidamente. Muitas dessas postagens não fornecem contexto, nem explicações científicas apenas exploram o impacto visual para gerar curiosidade (e engajamento).

A ideia de que o Atlântico e o Pacífico não se misturam é uma simplificação exagerada e, na maioria das vezes, incorreta. O que ocorre são encontros de massas de água com características diferentes, que demoram um pouco mais para se integrar completamente. Com o tempo, porém, os oceanos misturam e isso é essencial para o equilíbrio do planeta.

O fascínio com imagens de águas “divididas” é compreensível, mas é sempre importante buscar informações confiáveis e baseadas em ciência. E a ciência é clara: embora o processo possa ser lento e visualmente marcante, os oceanos se misturam continuamente, alimentando a vida marinha, regulando o clima e conectando os continentes.


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