Vida fora da Terra? Veja os pioneiros da astrobiologia no Brasil

Todas as sextas-feiras, ao vivo, a partir das 21h (pelo horário de Brasília), vai ao ar o Programa Olhar Espacial, no canal do Olhar Digital no YouTube. O episódio da última sexta-feira (30) (que você confere aqui) foi uma conversa sobre os pioneiros da astrobiologia – ciência que estuda a vida no Universo, principalmente em planetas além da Terra – no Brasil e como a origem dessa área impactou o meio científico nacional

O professor e filósofo Edgar Indalecio Smaniotto explicou durante o programa a trajetória de três brasileiros pioneiros no estudo da vida em outros astros: Augusto Zaluar, Flávio Pereira e Rubens de Azevedo. Smaniotto é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e pesquisa a história da astrobiologia no Brasil, além de temas como ficção cientifica, eugenia, educação e geopolítica. Atualmente é docente do ensino fundamental I (polivalente) e II (História), Médio (Filosofia), graduação e pós-graduação.

A conversa com o apresentador Marcelo Zurita começou pela relação entre filosofia e cosmologia. Os primeiros filósofos, como Tales de Mileto, Anaximandro e Pitágoras, faziam principalmente hipóteses sobre a natureza e o cosmos, refletindo acerca de seu funcionamento e estrutura.

Houve uma separação entre a filosofia e as ciências modernas, porém os pesquisadores nunca pararam de questionar. “Hoje, a cosmologia também tem seu lado filosófico. Os cosmólogos fazem perguntas filosóficas e depois buscam a observação”, disse o professor.

O pensamento cosmológico brasileiro, especialmente sobre a astrobiologia, é o objeto de pesquisa de Smaniotto. Durante o programa, ele apresentou os precursores dessa área no Brasil e como o debate sobre vida em outros planetas começou na ficção cientifica e se tornou tema de grupos de pesquisa.

Edgar Smaniotto atualmente pesquisa as obras do professor Flávio Pereira (Imagem: Olhar Digital)

Augusto Zaluar: um Verne brasileiro

O escritor, poeta e jornalista, Augusto Emílio Zaluar nasceu em Portugal em 1826 e se naturalizou brasileiro em 1850. Ele escreveu o primeiro romance de ficção cientifica do Brasil em 1875: O Doutor Benignus, uma “aventura cientifica” similar às obras do escritor francês Julio Verne, como Viagem ao Centro da Terra e Vinte Mil Léguas Submarinas.

O enredo trata das observações astronômicas do pesquisador Dr. Benignus, feitas em diversas regiões do interior do Brasil, desde Minas Gerais até Goiás. No decorrer da trama, o autor discute assuntos como o Darwinismo e a possibilidade de vida em outros planetas, além de apresentar suas teorias acerca do funcionamento do Universo.

A obra apresenta a hipótese de que Marte seria vermelho devido a uma vegetação com clorofila avermelhada que cobriria o planeta, sendo o inverso das plantas verdes da Terra. No Sol, habitaria uma civilização de seres de luz mais desenvolvidos que as populações de astros rochosos, representando uma hierarquia entre sociedades espaciais.

Zaluar teve como base as pesquisas dos principais astrônomos da época, o alemão William Herschel e o francês Camille Flammarion. Segundo Smaniotto, o escritor cita mais de 100 outros autores para construir seu universo ficcional.

“Essa obra me interessou enquanto cientista social porque ela quebra a visão de que o Brasil não recebia essas discussões [sobre astrobiologia]. O país não estava isolado desses temas, Zaluar sabia desses debates”, disse o filósofo.

O livro teve uma repercussão positiva e chamou a atenção do Imperador Dom Pedro II. Isso garantiu ao autor uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o cargo de sócio correspondeste do Observatório Nacional. Zaluar faleceu em 1882, no Rio de Janeiro.

Retrato em desenho do escritor Emilio Zaluar
Emilio Zaluar trabalhou nos jornais A Época, O Álbum Semanal, O Vulgarizador e fundou o periódico Espelho. (Imagem: Fernand Delannoy / Wikimedia Commons)

Flávio Pereira: professor de astrobiologia

O professor Flávio Augusto Pereira escreveu o primeiro livro do Brasil a usar o termo “astrobiologia”: a obra “Introdução à Astrobiologia”, de 1958. Graduado no antigo curso de Ciências Naturais da Universidade de São Paulo (USP), se especializou em biologia e estudou a possibilidade de vida em outros planetas.

A obra apresenta um compilado dos debates sobre astrobiologia da época. No decorrer dos capítulos, temas como a Teoria da Evolução, origem da vida e idade da Terra baseiam as hipóteses. Pereira trata especialmente de Marte, dissertando sobre a probabilidade da existência de organismos no Planeta Vermelho. 

Dentre as suas principais influências estavam a astrobotânica soviética, norte-americana e francesa. Mesmo em tempos de Guerra Fria, o professor se manteve atualizado acerca da ciência desenvolvida na União Soviética.

Em 1955, publicou uma série de ensaios no jornal O Estado de São Paulo sobre a filosofia da astronáutica. Nos textos, ele trata da importância da ciência para o desenvolvimento das civilizações.

Pereira participou do 8º Congresso Internacional de Astronáutica de Barcelona, em 1957, na Espanha, onde apresentou sua pesquisa sobre a fisiologia das plantas marcianas. Ele sugeria um ciclo em que a planta suspenderia temporariamente suas manifestações metabólicas sem morrer, podendo voltar à vida.

Em março de 2014, Flávio Pereira faleceu deixando um legado como professor, presidente do Instituto Brasileiro de Astronáutica e Ciências Espaciais e diretor da Escola de Ciências de São Paulo. 

Pereira apresentou o quadro “Vídeo Ciência” no programa Sport Motor, exibido pela TV Record.

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Rubens de Azevedo: amigo da astronomia

Rubens de Azevedo nasceu em 1921 em Fortaleza, no Ceará. Foi astrônomo e fundou, dentre diversos observatórios e grupos, a Sociedade Brasileira de Amigos da Astronomia, a primeira associação astronômica amadora do Brasil. Teve como principal objeto de pesquisa a Lua e participou da Rede Internacional de Observadores Lunares da NASA.

Durante o programa, Zurita disse que Azevedo é uma inspiração para ele. O astrônomo cearense foi o fundador da Associação Paraibana de Astronomia, hoje presidida pelo apresentador.

Azevedo foi o autor do primeiro mapa brasileiro da Lua em 1948. Durante um eclipse lunar, ele descobriu um vale cuja existência foi confirmada posteriormente por observatórios chilenos, que sugeriram à União Astronômica Nacional a atribuição do nome “Vale Azevedo”.

Em 1956, publicou na Revista Ciência e Progresso – editada pelo professor Flávio Pereira – um artigo sobre a vida na Lua . Ele sugeria que as manchas escuras no astro seriam fungos lunares, suportados pela atmosfera tênue do satélite natural da Terra.

Em janeiro de 2008, Azevedo faleceu. Após cinco meses, ele recebeu uma homenagem: o Planetário Rubens de Azevedo, atração turística de divulgação cientifica em Fortaleza, Ceará. 

Rubens de Azevedo ao lado do primeiro mapa lunar brasileiro desenhado por ele. (Imagem: Acervo Marcelo Zurita)

A astrobiologia após os mestres

Smaniotto relatou durante a entrevista que os três pioneiros enfrentaram os desafios quase sozinhos, não tendo o suporte de uma comunidade científica nacional voltada para astrobiologia.

Segundo o filósofo, essa área de estudo se desenvolveu no Brasil a partir de 1990, quando pesquisadores começaram a fazer doutorado no exterior sobre o tema. Somente em 2017 surgiu a Sociedade Brasileira de Astrobiologia e as pesquisas sobre o assunto se consolidam em solo nacional. Atualmente, esse grupo de astrobiólogos busca divulgar estudos e aproximar a academia da população através de cursos e palestras.

“O Brasil é um país de pouca memória em todas as áreas, não somente em astrobiologia. Então, é interessante que mantenhamos as recordações desses pioneiros. Não podemos perder a memória nacional de nenhum desses personagens”, concluiu Smaniotto.


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