Um estudo liderado por um pesquisador brasileiro da NASA analisou como as tempestades solares afetam os satélites Starlink, da SpaceX, em órbita terrestre baixa, acelerando sua queda e reduzindo sua vida útil. Segundo a pesquisa, esses eventos causam uma expansão da atmosfera da Terra, aumentando a densidade do ar em altitudes onde os equipamentos circulam, o que aumenta o arrasto atmosférico – uma espécie de resistência que faz com que eles percam altitude mais rapidamente.
Denny Oliveira, físico formado pela Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em engenharia aeroespacial e especialização em dinâmica orbital e clima espacial, trabalha no no Centro Espacial Goddard, da NASA, e é reconhecido por sua pesquisa sobre os efeitos das condições do espaço no comportamento dos satélites em órbita baixa.
Utilizando modelos avançados de dinâmica orbital e dados reais de satélites, ele buscou entender como diferentes níveis de atividade solar influenciam a trajetória e a vida útil dos satélites Starlink.
Atividade solar provoca tempestades geomagnéticas na Terra
A atividade solar é um fenômeno natural que varia em ciclos de aproximadamente 11 anos. Durante períodos de alta atividade, o Sol libera explosões de partículas carregadas e radiação que interagem com a magnetosfera e a atmosfera da Terra. Essas interações provocam as chamadas tempestades geomagnéticas, que podem alterar significativamente as condições atmosféricas em altitudes próximas à órbita baixa da Terra, onde milhares de satélites, incluindo os 6.750 da megaconstelação Starlink, circulam.
Os satélites Starlink são lançados inicialmente a altitudes muito baixas, em torno de 210 km, e depois elevados a cerca de 550 km para operação. No entanto, durante eventos de tempestades solares, a atmosfera terrestre se expande e se torna mais densa nessas altitudes, criando uma resistência maior ao movimento dos satélites – o arrasto atmosférico. Isso acelera a perda de altitude dos satélites, levando muitos deles a reentrar na atmosfera mais cedo do que o esperado.
Publicado na segunda-feira (2), o estudo acompanhou mais de 500 eventos de reentrada de satélites Starlink entre 2020 e 2024 e descobriu que quase metade dessas quedas ocorreu em órbitas muito baixas, onde a influência do arrasto é mais intensa. Esse aumento das reentradas associadas às tempestades solares representa um desafio crescente para o controle do tráfego espacial, pois reentradas rápidas e inesperadas dificultam o monitoramento e a prevenção de riscos.
Para analisar o impacto das tempestades solares, os cientistas usam dois índices importantes: o índice F10.7 e o índice Dst. O índice F10.7 mede a intensidade da radiação solar que atinge a Terra e influencia a ionosfera e a atmosfera superior. Já o índice Dst avalia o efeito das tempestades geomagnéticas sobre o campo magnético da Terra. Durante tempestades intensas, o índice Dst apresenta valores negativos significativos, indicando distúrbios fortes que ampliam o arrasto atmosférico.

Um dos casos mais impressionantes estudados ocorreu em maio de 2024, quando uma supertempestade causou uma rápida descida do satélite Starlink-2601, que perdeu altitude de 276 quilômetros para cerca de 100 quilômetros em menos de dois dias. Essa queda foi muito mais rápida do que os modelos tradicionais de previsão orbital indicavam, mostrando que os modelos atuais ainda não capturam totalmente as rápidas mudanças na densidade atmosférica causadas por eventos solares extremos.
Para aprofundar a investigação, a equipe utilizou a técnica de análise de época sobreposta, que consiste em observar o comportamento dos satélites a partir de uma altitude de referência, neste caso, cerca de 280 km – ponto onde o arrasto atmosférico começa a impactar fortemente a trajetória dos objetos em órbita baixa. A técnica revelou que satélites expostos a tempestades intensas decaem significativamente mais rápido e atingem velocidades maiores durante a reentrada do que satélites em condições calmas.
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Diversidade dos satélites Starlink complica previsões de queda
Além dos desafios causados pelas variações atmosféricas, o estudo também destaca que a diversidade de satélites Starlink torna as previsões ainda mais complexas. Diferentes modelos da constelação possuem variações no tamanho, peso e formato, que influenciam diretamente a resistência ao arrasto. Satélites mais pesados ou com formatos aerodinâmicos distintos respondem de forma diferente às mudanças na densidade atmosférica, exigindo ajustes específicos nos modelos de previsão.
Outro fator relevante é a duração das tempestades solares. Enquanto tempestades curtas e muito intensas causam impactos rápidos, as mais longas, mesmo com menor intensidade, podem causar efeitos cumulativos mais significativos na atmosfera. Essa exposição prolongada faz com que os satélites percam altitude de maneira mais gradual, mas consistente, o que também complica o planejamento das operações em órbita.

A localização das reentradas é outro ponto de atenção. A maioria ocorre sobre oceanos, onde os destroços se desintegram e não representam risco à população. No entanto, satélites que caem próximos a áreas habitadas aumentam a preocupação com a segurança, reforçando a importância de previsões mais precisas e rápidas para evitar danos a pessoas e propriedades.
A interação entre a radiação solar e os distúrbios geomagnéticos cria um cenário complexo que desafia os especialistas em clima espacial e controle de tráfego orbital. A radiação solar tende a causar uma expansão global da atmosfera, enquanto as tempestades geomagnéticas geram aquecimento localizado, que provoca mudanças rápidas e intensas na densidade atmosférica.
A importância desse trabalho vai além da constelação Starlink, pois qualquer satélite em órbita baixa está sujeito aos mesmos efeitos, tornando o estudo fundamental para o futuro da navegação, comunicação e monitoramento espacial. A pesquisa conduzida por Oliveira representa um marco na compreensão dos impactos das tempestades solares sobre o crescente tráfego orbital, contribuindo para a segurança e sustentabilidade da exploração do espaço próximo à Terra.