Um comportamento curioso foi observado em macacos de uma ilha do Panamá e descrito em um artigo publicado nesta segunda-feira (19) na revista Current Biology.
Câmeras instaladas em Jicarón, uma ilha do Parque Nacional de Coiba, registraram algo surpreendente: macacos-prego-de-cara-branca carregando filhotes de outra espécie, os bugios. A prática, que começou com um único indivíduo, se espalhou entre outros macacos-prego jovens machos, intrigando os cientistas.
Essa população de macacos-prego já era conhecida por um comportamento único: o uso de ferramentas de pedra para abrir alimentos duros. Desde 2017, os pesquisadores vinham monitorando essa tradição cultural com armadilhas fotográficas, que capturam imagens e vídeos sempre que há movimento na floresta. Em 2022, a estudante de doutorado Zoë Goldsborough encontrou um registro inesperado.
Ao analisar as imagens, ela viu algo que em cinco anos de monitoramento nunca havia aparecido: um macaco-prego carregando um bebê bugio nas costas. “Foi tão estranho que fui direto ao escritório do meu orientador para perguntar o que era aquilo”, disse a pesquisadora em um comunicado. Esse tipo de interação entre espécies era completamente novo para a equipe, que então decidiu investigar mais a fundo.
Com milhares de imagens arquivadas, os cientistas tinham material suficiente para procurar outros casos semelhantes. E foi o que eles fizeram: revisaram manualmente todas as imagens gravadas pelas câmeras ao longo de anos. Para surpresa de todos, quatro bebês bugios diferentes foram vistos sendo carregados por macacos-prego machos.
“Coringa” começa série de sequestros
O mais curioso era que, em quase todas as cenas, o mesmo macaco aparecia com os filhotes. Ele foi apelidado de “Coringa”, por ser um jovem macho com comportamento fora do comum. Isso levantou novas dúvidas. Teria ele adotado os bebês? Estaria apenas brincando com eles? Ou havia outra explicação por trás desse comportamento inusitado?
Embora haja registros de animais adotando filhotes de outras espécies, geralmente quem faz isso são fêmeas. Em 2006, por exemplo, um casal de macacos-prego chegou a criar um sagui até a idade adulta. Mas, neste caso, o fato de somente machos estarem envolvidos já apontava para algo diferente.

Durante alguns meses, os cientistas não encontraram novos registros e pensaram que talvez o Coringa estivesse apenas experimentando algo novo. Segundo o pesquisador Brendan Barrett, coautor do estudo, isso é comum entre os macacos-prego, que são curiosos e exploram o ambiente de formas inesperadas. Mas então, novas imagens começaram a aparecer.
Cinco meses depois, outras câmeras capturaram cenas semelhantes: mais bebês bugios sendo carregados. A equipe confirmou que se tratava de novos indivíduos e chamou uma especialista em bugios, Lisa Corewyn, para ajudar na identificação. Foi aí que veio a descoberta mais intrigante: agora, além do Coringa, outros quatro jovens machos também estavam sequestrando filhotes.
Durante 15 meses, cinco macacos-prego diferentes transportaram ao todo 11 bebês bugios por até nove dias seguidos. As câmeras mostraram os filhotes agarrados ao corpo dos macacos, que seguiam normalmente suas atividades: se locomovendo pela floresta ou até usando ferramentas para buscar alimentos.
Comportamento virou “moda cultural” entre os jovens macacos machos
Para organizar os registros, os pesquisadores criaram um site interativo com a linha do tempo do comportamento. Segundo Barrett, o que começou como uma ação individual se transformou em uma “moda cultural” entre os jovens machos. Um comportamento estranho foi adotado por outros, como se fosse uma tendência que se espalha socialmente.
Esse tipo de transmissão de comportamento lembra fenômenos observados em outras espécies. Orcas, por exemplo, já foram vistas usando “chapéus” feitos de salmão. Chimpanzés colocam folhas de grama na orelha como enfeite. Mas o caso dos macacos-prego é ainda mais surpreendente porque envolve o sequestro de bebês de outra espécie.

As imagens também mostram que os pais dos bugios estavam por perto, chamando por seus filhotes. Ao todo, sabe-se oficialmente que quatro bebês morreram. Os cientistas acreditam que nenhum sobreviveu, pois os macacos-prego, embora não tenham agido com violência, não podiam oferecer o leite de que os filhotes precisavam. Ou seja, os bebês foram separados de suas mães e acabaram morrendo de fome e falta de cuidados adequados.
O mais espantoso é que os macacos-prego não parecem ganhar nada com isso. Eles não comem os filhotes, não brincam com eles, nem recebem mais atenção dos outros por estarem com um bebê. Também não demonstram um vínculo especial com os pequenos bugios. Para Goldsborough, ainda não está claro se esse comportamento traz algum benefício – ou mesmo algum custo – para os macacos.
Esse estudo é o primeiro a documentar uma tradição social em que animais sequestram repetidamente filhotes de outra espécie sem nenhum ganho evidente. Os pesquisadores acreditam que isso mostra como as culturas animais podem ser complexas, às vezes até com resultados prejudiciais para outras espécies.
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Falta do que fazer
Barrett destaca que os animais, assim como os humanos, também podem criar tradições sem sentido prático. E isso pode ter impactos no ambiente ao redor. “A pergunta mais interessante talvez não seja por que essa tradição começou, mas por que ela surgiu justamente aqui”.
A vida na ilha pode ser parte da explicação. Jicarón oferece um ambiente tranquilo para os macacos: há poucos predadores e comida em abundância. Isso pode gerar o que os cientistas chamam de “tédio animal” – uma espécie de falta do que fazer, que leva os macacos a inovar.
Os mesmos macacos-prego que sequestram filhotes também são os que usam ferramentas – outro comportamento raro na natureza. Ambos parecem surgir entre os machos jovens, que têm mais tempo livre e curiosidade para experimentar novidades.
A pesquisa, realizada entre janeiro de 2022 e julho de 2023, ainda está em andamento. Os cientistas continuam analisando os dados para entender se essa prática continua e se pode afetar a população de bugios, que já é considerada ameaçada de extinção na ilha.
“Foi impactante ver esse comportamento se espalhar”, afirma Meg Crofoot, uma das autoras principais do estudo. Para ela, os macacos-prego de Jicarón são uma oportunidade única de estudar como se formam e se mantêm as tradições entre animais selvagens. Mesmo as mais inesperadas – e perturbadoras.