O que antes era um símbolo de destruição ambiental pode se transformar em fonte estratégica de matéria-prima crítica. Nos Estados Unidos, pesquisadores e empresas estão investindo em novas tecnologias para extrair elementos de terras raras e outros metais valiosos de um local inusitado: a água extremamente ácida e contaminada da cratera Berkeley Pit, no estado de Montana.
A cratera, preenchida com cerca de 190 bilhões de litros de líquido tóxico, é resultado de décadas de mineração descontrolada. Mas, com o avanço de métodos de extração e o aumento da demanda global por minerais essenciais, o que antes era um passivo ambiental passou a ser tratado como um possível ativo estratégico — especialmente para setores como energia, defesa e tecnologia.
- O interesse por metais presentes em águas residuais cresceu nos últimos anos.
- Esse tipo de recurso, que inclui rejeitos de mineração, água do fraturamento hidráulico e salmoura de usinas de dessalinização, está se mostrando mais acessível e menos poluente do que abrir novas minas.
- Pesquisadores da Oregon State University estimam que o valor potencial dos metais contidos apenas na salmoura das usinas de dessalinização pode ultrapassar US$ 2,2 trilhões.
- Peter S. Fiske, diretor do National Alliance for Water Innovation, explicou ao New York Times que “a água é o corpo de minério do século XXI”, graças ao avanço tecnológico que permite filtrar e recuperar substâncias de alto valor.
Tecnologias em ação: do lodo ao neodímio
Na cidade de Butte, Montana, o processo de extração é baseado em uma técnica desenvolvida por uma equipe da West Virginia University, em parceria com a Virginia Tech e a empresa L3 Process Development. O sistema usa grandes bolsas plásticas preenchidas com lodo, que ao longo do tempo concentram os metais em uma forma bruta que pode ser refinada com solventes.
A cratera Berkeley Pit contém elementos como neodímio e praseodímio, cruciais para a fabricação de imãs potentes usados em veículos elétricos, satélites e mísseis guiados. A expectativa é de que o local produza até 40 toneladas de terras raras por ano, uma contribuição significativa para reduzir a dependência dos EUA das importações — especialmente da China, que domina o mercado global.

Demanda crescente e apoio militar
A pressão por produção interna de metais estratégicos é cada vez maior. Atualmente, os Estados Unidos possuem apenas uma mina ativa de terras raras, responsável por cerca de 15% da oferta mundial. O Departamento de Defesa tem financiado projetos como o da Berkeley Pit para impulsionar a autonomia em minerais críticos.
Além de neodímio e praseodímio, o local também apresenta zinco, níquel e cobalto. O zinco, em particular, possui valor de mercado alto e pode ajudar a financiar os custos do processo. A tecnologia aplicada também mostrou um diferencial: o método consegue concentrar metais pesados, como disprósio e térbio, ainda mais escassos e valorizados.
Impacto ambiental e solução de longo prazo
A drenagem ácida de minas, resultado da oxidação de minerais como a pirita em contato com água e oxigênio, é um dos grandes desafios ambientais dos EUA, com cerca de 12 mil milhas de rios contaminados. A água da Berkeley Pit é tão ácida que, em 2016, aproximadamente 3 mil gansos morreram ao pousar na superfície do lago tóxico.
A limpeza dessa água é obrigatória e contínua, conforme determina a Lei da Água Limpa dos EUA. O projeto de extração de metais ajuda a reduzir os custos de tratamento, tornando a operação mais viável financeiramente e menos impactante ecologicamente. Se bem-sucedido, o modelo pode ser replicado em outras regiões afetadas pela mineração.
Leia mais:
Filtros inteligentes e novas possibilidades
A busca por tecnologias mais eficientes também envolve a criação de membranas inteligentes, como os chamados “nanosponges”. Desenvolvidos em parceria com o laboratório de Berkeley e empresas como a ChemFinity, esses filtros funcionam como uma “luva atômica”, capaz de capturar apenas um tipo específico de metal, como lítio.
Técnicas como troca iônica, já usadas para remover poluentes da água, também estão sendo redescobertas com foco na recuperação de minerais críticos como cobalto, magnésio e, claro, as terras raras. O objetivo é transformar um problema ambiental em solução econômica e estratégica, aproveitando resíduos antes considerados inúteis.