Cortes de Trump ameaçam retorno de amostras em Marte

Desde que pousou na cratera Jezero, em Marte, em fevereiro de 2021, o rover Perseverance, da NASA, tem coletado amostras do solo marciano e da atmosfera do planeta em busca de sinais de vida passada. 

Em pouco mais de três anos, o robô do tamanho de um carro de passeio reuniu quase 30 fragmentos de rochas e poeira, guardados em tubos selados cuidadosamente armazenados para uma futura missão que os traria para a Terra.

Denominada Mars Sample Return (MSR) e desenvolvida em parceria com a  Agência Espacial Europeia (ESA), essa missão é considerada uma das mais complexas e ambiciosas já projetadas pela NASA. O plano prevê o envio de uma nova sonda para Marte, que buscaria as amostras coletadas, lançaria esse material em um pequeno foguete e o colocaria em órbita para ser trazido à Terra por uma nave de retorno.

No entanto, cortes orçamentários propostos pelo governo dos EUA ameaçam o futuro da missão. Em 2 de maio, o Escritório de Gestão e Orçamento (OMB) divulgou um relatório propondo uma redução de 24,3% no financiamento da NASA para 2026, com foco em cortar projetos considerados “excessivamente caros”, como a missão MSR, que corre risco de ser cancelada.

Tubo selado contendo uma amostra da superfície marciana coletada pelo rover Perseverance, da NASA, além de ar local. Crédito: NASA/JPL-Caltech

Governo Trump prioriza Lua e adia coleta de amostras marcianas

O relatório do OMB afirma que os objetivos da missão MSR podem ser alcançados por astronautas em futuras viagens a Marte, o que justificaria o adiamento do projeto. A proposta também reforça a estratégia de priorizar o retorno à Lua antes da China e, posteriormente, enviar seres humanos ao Planeta Vermelho. Isso significa que recursos da agência espacial dos EUA estão sendo redirecionados para o programa lunar Artemis e outras iniciativas com resultados mais imediatos.

No entanto, cientistas e engenheiros da própria NASA consideram a missão de retorno das amostras uma etapa indispensável. Em entrevista ao site Space.com, John Connolly, ex-funcionário da agência e professor da Texas A&M University, lembra que esse tipo de missão é discutido desde os anos 1970. Ele a descreve como o “Santo Graal” da exploração robótica marciana, por representar a chance de examinar diretamente o material do planeta.

Inicialmente, a missão parecia simples: adaptar uma sonda como a Viking, que pousou em Marte em 1976, para coletar amostras e trazê-las à Terra. Mas à medida que mais riscos foram identificados (como a possibilidade de trazer microrganismos desconhecidos), a empreitada foi ficando mais complexa e cara.

Atualmente, a missão MSR envolve múltiplas espaçonaves, lançamentos interdependentes, tecnologias de contenção biológica e um sistema inédito de decolagem em solo marciano. Estimativas apontam que o custo total pode chegar a US$11 bilhões, com retorno previsto apenas em 2040. Um comitê independente sugeriu que seria possível antecipar esse retorno para 2035 e reduzir o custo para cerca de US$8 bilhões – ainda assim, um custo considerado elevado.

Ilustração da missão Mars Sample Return
Representação artística da missão Mars Sample Return, um projeto conjunto entre a NASA e a ESA para trazer amostras de Marte à Terra. Crédito: NASA/JPL-Caltech

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Cientistas defendem retorno de amostras de Marte como passo essencial

Apesar das dificuldades, cientistas de várias áreas insistem que o retorno das amostras é fundamental para o avanço da ciência planetária. Bruce Jakosky, professor da Universidade do Colorado e especialista em Marte, afirma que esse material permitirá responder a questões cruciais: houve vida em Marte? O planeta já teve condições favoráveis para isso? Como evoluiu sua geologia e atmosfera?

Segundo Jakosky, apenas na Terra será possível analisar as amostras com a precisão necessária. Equipamentos laboratoriais avançados, como espectrômetros de massa de alta resolução e tomógrafos de raio-X, não podem ser enviados em sondas espaciais por limitações de peso e energia.

Além disso, o material pode ajudar a avaliar os riscos de futuras missões tripuladas, como a toxicidade do solo, a presença de percloratos (substâncias químicas nocivas já detectadas em Marte) e o impacto da poeira marciana nos sistemas de suporte à vida. Isso tornaria as futuras expedições humanas mais seguras e bem planejadas.

Ilustração de foguete da missão Mars Sample Return, da NASA, decolando de Marte
Ilustração de um foguete decolando de Marte com a missão Mars Sample Return, da NASA/ESA. Crédito: NASA/JPL-Caltech

Outro ponto importante é o desenvolvimento tecnológico. A MSR seria a primeira missão da história a realizar uma viagem de ida e volta entre a Terra e Marte, testando pela primeira vez a decolagem de uma nave em solo marciano e a transferência de carga entre órbitas. Esses são desafios indispensáveis para qualquer missão tripulada no futuro.

John Rummel, ex-chefe de proteção planetária da NASA, destaca o aspecto da biossegurança. Ele explica que, antes de levar astronautas a outro planeta e trazê-los de volta, é necessário entender como lidar com possíveis formas de vida extraterrestre – mesmo que microbiana. O retorno controlado das amostras serviria como um teste para esses protocolos.

Especialistas sugerem alternativas para viabilizar o futuro da missão

Diante das incertezas sobre o financiamento, algumas vozes na comunidade científica propõem caminhos alternativos. Robert Zubrin, fundador da Mars Society e defensor das missões tripuladas a Marte, acredita que a missão pode ser realizada com menos recursos, desde que a NASA trabalhe em parceria com empresas privadas como a SpaceX.

Ele propõe um plano em três etapas: enviar sondas robóticas em 2028, realizar uma missão automática de retorno em 2031 e, finalmente, uma missão tripulada em 2033. Zubrin aposta na capacidade do megafoguete Starship, da SpaceX, para reduzir custos e simplificar a logística do retorno.

Apesar do otimismo, o especialista alerta que o atual corte de orçamento vai na contramão dessa proposta. “Estamos enfraquecendo nossa capacidade de explorar Marte”. Sem o apoio do governo, diz ele, não há como viabilizar o uso dessas tecnologias em larga escala.

Bruce Jakosky, pesquisador sênior e professor emérito do Laboratório de Física Atmosférica e Espacial da Universidade do Colorado em Boulder, reforça que a exploração de Marte não deve ser apenas uma corrida simbólica. Ele critica a ideia de enviar humanos só para cravar uma bandeira no solo marciano. 

Para Jakosky, o verdadeiro avanço está na ciência. E, nesse sentido, as amostras já coletadas pelo Perseverance representam uma oportunidade única.

Elas estão lá, guardadas e esperando. Tudo depende agora da decisão dos EUA: investir na ciência e liderar a exploração de Marte ou deixar essa janela se fechar por falta de recursos.

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