Um estudo publicado recentemente na revista Physical Review Letters sugere que a matéria escura pode ser a responsável por dois fenômenos misteriosos que ocorrem no centro da Via Láctea – a ionização incomum do gás denso da região e a emissão persistente de radiação gama com uma energia muito específica: 511 keV.
Ambas as anomalias intrigam os astrônomos há décadas, mas até agora não havia uma explicação clara que unisse os dois casos.
A radiação de 511 keV surge quando um elétron colide com um pósitron (sua antipartícula), e ambos se anulam, liberando energia. O que continua um enigma é a origem desses pósitrons, bem como a razão pela qual a chamada Zona Molecular Central (CMZ), rica em gás, apresenta uma ionização tão intensa e fora do comum.
A nova proposta levanta a hipótese de que a matéria escura seja a fonte comum dos dois efeitos. O modelo apresentado se baseia na ideia de que a matéria escura seja composta por partículas extremamente leves, capazes de se aniquilar no centro da galáxia.
Matéria escura leve provoca ionização e liberação de pósitrons
Embora invisível, a matéria escura domina a massa do Universo. Ela não emite luz nem interage diretamente com a radiação, mas sua gravidade influencia galáxias inteiras. De acordo com o novo estudo, partículas de matéria escura com massa muito baixa – milhões de vezes menores que um próton – podem estar se encontrando com suas antipartículas no centro da Via Láctea. Esse encontro causaria a aniquilação das partículas e a liberação de elétrons e pósitrons.
Esses pósitrons, ao atravessar o gás denso da região central da galáxia, colidem com átomos de hidrogênio e arrancam elétrons, causando a ionização observada. Como a área é densamente preenchida, tanto os elétrons quanto os pósitrons perdem energia rapidamente, o que gera uma distribuição uniforme do efeito – algo que os modelos anteriores não conseguiam explicar.
Além disso, quando os pósitrons se anulam ao encontrar elétrons livres, produzem os raios gama de 511 keV detectados há décadas. Essa ligação entre os dois fenômenos reforça a ideia de que ambos possam ter uma origem comum.

A pesquisa também aponta que a taxa de aniquilação proposta pelo modelo é compatível com as quantidades observadas de radiação e ionização. Isso sugere que a matéria escura leve pode ser uma alternativa viável aos modelos tradicionais que falham em explicar esses sinais simultaneamente.
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Segundo um dos autores, Shyam Balaji, pesquisador de pós-doutorado em Física no King’s College, em Londres (Inglaterra), em um artigo publicado no site The Conversation, a proposta transforma o centro da Via Láctea em uma espécie de laboratório natural para investigar a matéria escura. Em vez de depender apenas de aceleradores de partículas ou de observações distantes de colisões cósmicas, os cientistas podem usar os dados coletados da região para inferir as propriedades dessas partículas invisíveis.
Modelos anteriores que tentavam explicar a emissão de raios gama consideravam fontes como buracos negros ou explosões de supernovas, mas nenhum deles conseguia justificar a distribuição uniforme dos sinais. A nova abordagem preenche essa lacuna ao mostrar como a matéria escura leve, interagindo sutilmente com a matéria comum, pode causar os dois fenômenos ao mesmo tempo.
Com observações futuras mais detalhadas, será possível testar se os padrões espaciais da radiação e da ionização realmente coincidem com o que o modelo prevê. Se isso for confirmado, os cientistas estarão mais próximos de descobrir a natureza da matéria escura – um dos maiores mistérios da física moderna.
Além disso, o estudo indica novos caminhos para procurar essas partículas, focando em massas e interações que até agora haviam sido pouco exploradas. Isso pode abrir uma nova frente na busca por respostas sobre o lado escuro do cosmos.
Ao unir duas observações há muito desconectadas, a proposta não só oferece uma explicação plausível, como também convida para olhar a galáxia de dentro para fora, onde o invisível pode finalmente se tornar compreensível.