Raio-x da Amazônia revela antiga cidade perdida

Pesquisadores brasileiros encontraram vestígios da cidade colonial de Lamego, construída no século 18, que permaneceu encoberta pela floresta amazônica por mais de 200 anos. A redescoberta foi possível graças ao uso de sensores LiDAR, tecnologia que permite mapear o relevo mesmo sob densa vegetação.

O achado foi liderado pelo arqueólogo Carlos Zimpel Neto, da Universidade Federal de Rondônia, e revelou uma complexa estrutura urbana composta por estradas, canais e construções de pedra. O sítio fica próximo à Fortaleza Real Príncipe da Beira, na fronteira entre Brasil e Bolívia, e altera a compreensão sobre a ocupação histórica da região. A descoberta foi apresentada em uma reportagem do The Washington Post.

A expedição ocorreu no começo de 2024, em plena estação chuvosa na Amazônia. Guiado por um tablet com imagens detalhadas geradas a partir de dados de varredura a laser, Carlos Zimpel avançou por uma região remota de floresta densa. O local guarda os vestígios da antiga cidade portuguesa de Lamego, uma colônia do século 18 cujos rastros estavam desaparecidos havia mais de um século.

O interesse pelo sítio remonta a 1913, quando foi redescoberta a Fortaleza Real Príncipe da Beira, mas os registros históricos indicavam a existência de uma estrutura urbana muito maior. A localização exata de Lamego e de suas construções — como igrejas, vilas e sistemas defensivos — permanecia um mistério até agora.

A Fortaleza Real Príncipe da Beira é considerada patrimônio nacional e o monumento mais antigo do Estado de Rondônia (Imagem: Governo do Estado de Rondônia)

Como o LiDAR mudou a arqueologia da Amazônia

  • A tecnologia LiDAR, ou Detecção e Alcance de Luz, tem desempenhado papel central em descobertas arqueológicas recentes.
  • O sensor emite pulsos de laser que atravessam a cobertura vegetal e retornam ao equipamento, permitindo a geração de mapas topográficos altamente precisos.
  • Com o auxílio dessa tecnologia, pesquisadores conseguem identificar estruturas encobertas pela vegetação densa, como muros, estradas e edificações antigas.
  • Em Rondônia, o uso do LiDAR revelou um intricado sistema urbano que inclui canais de drenagem, vias planejadas e bases de construções feitas de pedra.
  • Segundo Zimpel, o material coletado mostra que a ocupação portuguesa se sobrepôs a uma sociedade indígena anterior, que já havia deixado geoglifos circulares e fragmentos cerâmicos datados entre 1.200 e 2.000 anos.

Indícios de urbanização indígena pré-colonial

Além das estruturas coloniais, o levantamento expôs vestígios de uma sociedade indígena altamente organizada. Fragmentos de cerâmica e marcas no solo revelaram a existência de assentamentos complexos anteriores à chegada dos europeus. Para Zimpel, os povos originários que habitavam a região podem ter sido os autores das grandes figuras geométricas no solo amazônico, hoje visíveis apenas com tecnologia aérea.

Essa descoberta reforça a visão de que sociedades amazônicas do passado possuíam alto grau de organização e planejamento, contrariando teorias anteriores que apontavam o solo da floresta como incapaz de sustentar populações numerosas e estáveis.

A trajetória de Zimpel com a localidade começou em 2016, quando visitou a fortaleza como turista. Na região, conheceu a comunidade quilombola local e ouviu de Elvis Pessoa, então presidente da associação comunitária, relatos sobre estruturas misteriosas na mata, conhecidas como “o labirinto”. A curiosidade levou Zimpel a explorar o local com apoio dos próprios moradores.

As primeiras escavações revelaram muros de pedra com até cinco metros de altura, arcos de entrada e fundações retangulares. Com o tempo, os mapas coloniais portugueses e espanhóis começaram a coincidir com o que era visto no terreno, fortalecendo a hipótese de que se tratava de Lamego.

Em 2022, o professor Eduardo Neves, da Universidade de São Paulo, conseguiu financiamento da National Geographic Society para utilizar LiDAR na região. Neves coordena o consórcio acadêmico Amazon Revealed, que busca mapear ao menos 50 sítios arqueológicos na floresta. Zimpel rapidamente indicou Lamego como uma das prioridades.

Após dez dias de sobrevoos, as imagens captadas pelo sensor confirmaram a presença de estruturas compatíveis com os registros históricos do século 18. “Encontramos a cidade perdida”, afirmou Zimpel ao comparar os mapas antigos com os dados de varredura a laser.

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A ameaça do desmatamento

Apesar da descoberta, a preservação do sítio arqueológico enfrenta uma ameaça imediata: a destruição florestal. A região está inserida no chamado arco do desmatamento, faixa do sul da Amazônia onde se concentram os maiores índices de degradação ambiental. Em 2023, incêndios atingiram 80% da vegetação que cercava as ruínas.

Moradores quilombolas suspeitam que as queimadas tenham sido provocadas para abrir espaço para a expansão de fazendas e plantações. Nucicleide da Paz Pinheiro, que assumiu a presidência da comunidade após a morte de Elvis Pessoa, disse que o fogo nunca havia chegado tão perto.

amazônia incendiada
Incêndios na Amazônia ameaçaram danificar as estruturas descobertas (Imagem: Toa55 / Shutterstock.com)

Em janeiro deste ano, Zimpel retornou à floresta para avaliar os danos e identificar novas estruturas. Mesmo diante de uma paisagem marcada por cinzas e árvores calcinadas, ele encontrou edifícios de pedra intactos, preservados da ação do fogo. As imagens de LiDAR continuam indicando a existência de múltiplas estruturas residenciais e defensivas que ainda não foram escavadas.


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